É difícil conhecer alguém que não goste de sorvete. Você pode até dizer que parou de comer por problemas de saúde, por alergias, intolerâncias ou porque quer emagrecer. Porém, uma coisa é fato: existem alternativas para todos os gostos, desejos e necessidades.
Aquele sabor, a nostalgia, a cremosidade, a refrescância e a crocância da casquinha que o acompanha fazem do sorvete uma ótima opção para várias ocasiões. Este delicioso alimento nos traz sensações e lembranças muito além da nutrição. Quem não gosta de sair para tomar um sorvete com os amigos ou com a família? Agora não devemos sair de casa, por causa da pandemia do coronavírus. Porém, tenho certeza que o nosso tão querido sorvete é um excelente acompanhamento para assistir um filme na parte da tarde, para maratonar uma série, na hora de chorar as mágoas e desabafar, na hora de acalmar os nossos nervos naquela fase chata de todo mês, nas festas de pijamas e uma infinidade de situações. Portanto, o sorvete já faz parte das nossas vidas e é muito mais do que só um alimento.
Os principais ingredientes de um sorvete são água, gordura, emulsificantes, sólidos não gordurosos do leite, açúcares, estabilizantes, ar e gelo. Porém, com o aumento das doenças autoimunes, alergias e intolerâncias alimentares, a busca por alimentos com ingredientes alternativos aos tradicionais cresceu muito. Além disto, o número de pessoas veganas, vegetarianas, flexitarianas, todos aqueles que diminuíram o consumo de derivados de animais, aumentou significativamente. Portanto, para a indústria de sorvetes se destacar agora no mercado, é preciso inovar e pensar com empatia nas necessidades desses consumidores.
Mas do que é feito o sorvete plant-based? A tradução em si já diz: um sorvete à base de plantas. São várias as bases vegetais para substituir o leite, como: coco, castanhas, soja, ervilha, fava, feijão-branco, grão-de-bico, aveia, amendoim, sementes de cânhamo, abacate, arroz, batata, quinoa, amaranto, milho, dentre outras. Também, para se atender a demanda por alternativas mais saudáveis, algumas substituições inteligentes podem ser feitas, como: usar edulcorantes naturais como substitutos do açúcar; fibras e polióis como agentes de corpo e adoçantes; frutas e vegetais para dar cor e sabor; óleo de coco como substituto de óleos refinados, gorduras vegetais hidrogenadas, dentre outras. Com todas essas substituições, além de se agregar valor ao produto, consegue-se obter um produto nutritivo e com apelos funcionais. Ou seja, faz com que o produto não seja somente uma indulgência, com alto valor energético, e sim um alimento com macronutrientes e micronutrientes essenciais.
Alguns podem até pensar que esta onda de sorvetes plant-based é passageira. Porém, estes produtos vieram para ficar e são considerados uma tendência. Além disto, há relatos de que o primeiro sorvete totalmente vegetal surgiu em 1899, num livro de receitas vegetarianas da Almeda Lambert, uma mulher adventista de Michigan. Sua receita levava creme de castanhas, açúcar e baunilha. Depois, em 1918, um docente da Universidade de Massachusetts, foi o primeiro a conceber a ideia do sorvete à base de soja, em seu artigo “Soy Beans As Human Food”. Em 1922, registraram a primeira patente de sorvete de soja. Daí, em 1930, o adventista Jethro Kloss, lançou o primeiro sorvete de soja, adoçado com mel, disponível nos sabores: chocolate, morango e baunilha (LIVEKINDLY, 2019).
Até Henry Ford quis explorar os sorvetes sem lácteos na década de 50. Várias marcas foram lançadas nas décadas seguintes. No início dos anos 1980, foram lançadas duas marcas sem laticínios que até hoje fazem parte do mercado de sorvetes: Tofutti e Rice Dream. Em 1985, as ações da Tofutti valiam US$ 17,1 milhões – considerada uma das ações mais famosas em Wall Street na época. Em 2001, foi lançado o primeiro sorvete vegano premium da marca Purely Decadent Soy Delicious, que depois em 2005 se transformou na famosa e renomada So Delicious Dairy Free (LIVEKINDLY, 2019).
A So Delicious Dairy Free possui um portfólio imenso de sorvetes plant-based. Tem sorvete à base de castanha-de-caju, de coco, de aveia, de amêndoas, de soja. Eles também possuem uma linha light cuja base é água, xarope de tapioca orgânico, óleo de coco orgânico, açúcar, eritritol, inulina e proteína de ervilha (SODELICIOUS, 2020)
De acordo com uma pesquisa da Grand Market Insights, o mercado de sorvetes plant-based deve ultrapassar US$ 1 bilhão no mundo. O que está fazendo este mercado crescer tanto, de acordo com os especialistas da pesquisa, é a preocupação das pessoas com sua saúde, com a qualidade do leite das vacas, com o meio-ambiente e com os animais. Diversas marcas famosas lançaram opções veganas nos últimos anos, incluindo Ben & Jerry’s, Häagen-Dazs, Halo Top, Cornetto e Magnum (LIVEKINDLY, 2019).
Diferentes destas marcas famosas mundialmente, algumas marcas que já não usavam laticínios vem se destacando também no mercado. Em 2004, a NadaMoo! lançou nos Estados Unidos o seu primeiro sorvete à base de coco orgânico. Hoje em dia, já possuem mais de 14 sabores. Alguns bem tradicionais como Baunilha, Cookies & Cream e Chocolate. Outros bem diferentes e indulgentes como: Bolo de Aniversário, Massa de Cookies, Banana Caramelizada Crocante, Café & Caramelo & Cookies, Torta de Pêssego, Marshmallow e vários outros sabores de dar água na boca (NADAMOO, 2020) (GODAIRYFREE, 2019).
Os sorvetes da NadaMoo! são adoçados com néctar de agave orgânico, o que faz com que seus produtos possuam bem menos açúcares que os demais concorrentes. O néctar ou mel ou xarope de agave, é um ingrediente que: possui baixo índice glicêmico, o que significa que não fará o nível de açúcar no sangue subir rapidamente; é mais doce que o açúcar, o que significa que podemos usar menos; e, após vários testes, a empresa disse que foi o único adoçante que resulta naquela textura cremosa e que atende aos padrões de abastecimento sustentável impostos pela companhia (NADAMOO, 2020).
No Brasil, uma marca que apostou na indulgência, cremosidade e sabor, foi a Nice Foods. É possível um sorvete plant-based ser mais saboroso do que um de leite? Eu afirmo que sim, pois tive a honra de provar os produtos. Com os lançamentos da Nice, os meus padrões de qualidade e sabor subiram. Já degustei também outras marcas no mercado brasileiro, mas confesso que nenhuma superou o impacto sensorial dos sorvetes da marca curitibana, nenhuma me deixou com aquela vontade de quero mais.
Os sócios da Nice, após muitos testes, chegaram em uma formulação exclusiva, com alta qualidade, digna de se enquadrar em uma categoria super premium. Os sorvetes possuem como base a bebida de castanha-de-caju orgânica que, de acordo com Thiago Lorusso e Paola Stier, após vários testes e muito estudo, eles desenvolveram um método de processamento único da bebida para garantir um sorvete com aspecto similar a um Gelato Italiano, com todas as qualidades sensoriais desta categoria de produto. Para adoçar, eles utilizam açúcar demerara orgânico e eritritol, o que faz com que as quantidades de açúcares totais fiquem menores que os sorvetes tradicionais. Todos os ingredientes foram pensados para entregar a melhor experiência sensorial aos consumidores, tanto que eles usam a fava de baunilha mesmo em seus produtos (NICE, 2020).
A Nice Foods nasceu com empatia e propósitos fortes. Os sorvetes plant-based foram criados pensando nas necessidades e desejos das pessoas que não estão consumindo mais derivados animais, naquelas que possuem alergia à proteína do leite, intolerância à lactose, assim como pensando no meio-ambiente. A linha possui 8 sabores deliciosos, em embalagens de vidro, um grande destaque visto que os players de origem animal utilizam o plástico (NICE, 2020).
Saindo das indulgências e focando na sustentabilidade, talvez seja difícil para você associar tomar um sorvete com salvar o meio-ambiente, mas isto é possível. Reduzir o desperdício de alimentos e seguir uma dieta baseada em vegetais são pequenas coisas que podemos fazer para reduzir os gases do efeito estufa, o sofrimento dos animais, o desmatamento, o acúmulo de lixo e a poluição. Novos conceitos que devemos trazer para os futuros desenvolvimentos são Economia Circular e Upcycling. Resumindo, Economia Circular é um conceito no qual você pensa na cadeia produtiva como um todo, um ciclo no qual resíduos, embalagens, voltam a ter algum uso ou um outro destino que não seja o meio ambiente, ou seja, não são descartados. O Upcycling faz parte da Economia Circular, é como se você usasse sua criatividade para dar nova vida aos produtos que seriam descartados, transformando resíduos, subprodutos indesejáveis, em novos produtos, com mais valor, que sejam mais bonitos, descolados, diferentes e com propósito.
Pensando nisto, a start-up Takay Foods, do Equador, lançou uma linha de sorvetes utilizando frutas fora do padrão estético de exportação. O país é um grande exportador de frutas tropicais, responsável por 30% da exportação mundial. Infelizmente, 25% da produção dessas frutas é descartada simplesmente porque elas não atingem os padrões de beleza exigidos internacionalmente. A empresa conta que lá as bananas são descartadas simplesmente por serem um pouco mais grossas que o normal, apesar de ainda terem o perfil nutricional perfeito. Se a manga é um pouco menor, também será descartada. Os produtores são obrigados a medir as frutas. Foi aí que os sócios da Takay criaram um sistema logístico para aproveitar todas essas frutas que seriam descartadas e as transformar em um produto de valor (TAKAY, 2020).
Sorvete agora é um superalimento? De acordo com a Takay Foods sim. A linha conta com diferentes e nutritivas combinações de frutas, castanhas, sementes, grãos e outros vegetais. Vários superalimentos da nossa querida Amazônia. Eles selecionam os ingredientes e os congelam em potes para que você possa preparar o seu sorvete em casa, usando um simples processador de alimentos (TAKAY, 2020).
Para você que acha que sorvete não é saudável, está aí a prova de que essa delícia pode sim ser super nutritiva. Todos os produtos da Takay Foods são boas fontes de proteínas, fibras, vitaminas, minerais e gorduras boas (monoinsaturadas). A linha conta com muitas frutas e vegetais, como: Borojó (fruta considerada afrodisíaca, nutritiva e com alto valor energético), Maca Peruana, tremoço andino, moringa, Guayusa (uma planta da Amazônia parente da erva-mate e com mais cafeína que café), Babaco (uma fruta exótica que lembra uma mistura de mamão, carambola e cacau), amaranto e linhaça (TAKAY, 2020).
Existe sorvete com foco em questões sociais? Existe sim. Na Califórnia, a Kubé nasceu com a linda missão de restaurar os valores e dar oportunidades para as pessoas que foram historicamente oprimidas. A empresa ressalta que o despertar para a transformação social já começou e está se desenrolando lindamente ao redor do mundo em prol da valorização da vida negra. O casal Kai Nortey e Nee-Neuh Nortey são intolerantes à lactose e já haviam parado de comer derivados lácteos há alguns anos. Após uma viagem para Gana, na qual eles comiam coco fresco todo dia, tiveram a brilhante ideia de iniciar um negócio de sorvetes à base de coco. A intenção deles é fazer deliciosos alimentos sem lácteos, à base de plantas, transformando e reconstruindo a sociedade com práticas locais de produção mais saudáveis e sustentáveis (KUBÉ, 2020).
No processo desenvolvido por eles, o creme obtido é bem suave no sabor de coco e assim eles não precisam utilizar mascaradores, aromas e nem outros aditivos. Eles afirmam que comparado aos sorvetes sem laticínios, o Kubé possui uma sensação no paladar (mouthfeel) bem mais densa e cremosa porque eles utilizam creme de coco maduro, cru e não pasteurizado. O portfólio já conta com 12 sabores, alguns bem diferenciados como Cardamomo, Laranja & Cúrcuma e Pecã Tostado & Caramelo Salgado. Eles utilizam frutas e especiarias para conferir sabor e cor aos produtos. Todos adoçados com néctar de agave orgânico. Os ingredientes da base são simples: creme de coco, água, goma guar e agave (KUBÉ, 2020).
Além de lutarem pela justiça social, valorização dos negros e equidade de gêneros, os Norteys lutam pelo meio-ambiente. Todos os subprodutos da produção são transformados em adubo e doados a pequenos produtores orgânicos locais. A compostagem deles cria um solo muito nutritivo e dá vida a outras plantas (KUBÉ, 2020).
Outra marca de sorvete que luta pela justiça social, pela diversidade e pela inclusão, é a CoolHaus. Fundada por um casal de mulheres, em 2009, a empresa nasceu porque Natasha e Freya não se sentiam representadas por nenhuma das marcas de sobremesas do mercado. Não como Millennials, não como mulheres e, definitivamente, não como mulheres gays. A Coolhaus foi construída com base na crença de que liderar pelo exemplo ajuda a inspirar outras mulheres e gerações mais jovens a repensar as indústrias e companhias nas quais elas desejam ter sucesso. A missão das sócias é empoderar as mulheres, transformar meninas em líderes confiantes e estimular a construção de comunidades (COOLHAUS, 2020).
Cada sorvete é cuidadosamente elaborado com ingredientes da mais alta qualidade, garantindo uma textura super cremosa. A Coolhaus é mais conhecida por seus sabores inovadores, únicos e seus toques modernos nos clássicos! Em sua linha sem lácteos, elas utilizam ervilhas amarelas e arroz integral como base (COOLHAUS, 2020).
Fica aqui a minha provocação para as empresas já existentes e para aquelas que ainda nascerão: O que o seu produto trará de benefício para o mundo? Após vermos tantas marcas com fortes propósitos, percebemos que cuidar do meio-ambiente, ter mais empatia, lutar pela justiça, evitar o desperdício são grandes tendências e que trazem valor para o seu produto, para a sua empresa. Com todas estas novidades, inovações e belas iniciativas, gostaria de provocar reflexões e gerar insights para os futuros desenvolvimentos. Apesar de tudo o que estamos passando, eu sou otimista e acredito que o mercado de sorvetes continuará a crescer. E o futuro já chegou! A nova onda de produtos plant-based veio para ficar e revolucionar. Quem quiser fazer parte de toda essa revolução, pode contar com a Solucionária!
REFERÊNCIAS
COOLHAUS – Our story, 2020. Disponível em: <https://cool.haus/about-coolhaus/>. Acesso em: 04 de setembro de 2020.
COOLHAUS – Instagram, 2020. Disponível em: <https://www.instagram.com/coolhaus/>. Acesso em: 04 de setembro de 2020.
COOLHAUS – Ice Cream Pints, 2020. Disponível em: <https://cool.haus/product/packs/ice-cream-pints/>. Acesso em: 04 de setembro de 2020
CRUZ, Adriano G. da; ANTUNES, Adriane E. C.; HARAMI, Juliana B. SOUZA, Ana L. O. P. de; FARIA, José de A. F.; SAAD, Susana M. I. Sorvetes Probióticos e Prebióticos. Em: SAAD, S. M. I.; CRUZ, A. G.; FARIA, J. A. F. Probióticos e Prebióticos em Alimentos: Fundamentos e Aplicações Tecnológicas. São Paulo: Varela, 2011. p. 359-388.
GODAIRYFREE – Nadamoo Dairy-Free Ice Cream Packs 19 Pint Flavors into More Stores, 2019. Disponível em: <https://www.godairyfree.org/product-reviews/nadamoo-ice-cream>. Acesso em: 03 de setembro de 2020.
KUBÉ – Our story, 2020. Disponível em: <https://www.kubenicecream.com/>. Acesso em: 04 de setembro de 2020.
KUBÉ – Instagram, 2020. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/BzL5XRgBScr/>. Acesso em: 04 de setembro de 2020.
LIVEKINDLY – What is vegan ice cream made from?, 2019. Disponível em: <https://www.livekindly.co/what-is-vegan-ice-cream-made-from/>. Acesso em: 03 de setembro de 2020.
NADAMOO – Flavor Lineup, 2020. Disponível em: <https://nadamoo.com/flavors/>. Acesso em: 03 de setembro de 2020.
NADAMOO – Instagram, 2020. Disponível em: <https://www.instagram.com/nadamoo/?hl=en>. Acesso em: 03 de setembro de 2020.
NICE FOODS – We make plant based foods to save the world, 2020. Disponível em: <https://www.linkedin.com/company/nice-foods/>. Acesso em: 03 de setembro de 2020.
NICE FOODS – Instagram, 2020. Disponível em: <https://www.instagram.com/nicefoodsbr/?hl=en>. Acesso em: 03 de setembro de 2020.
SODELICIOUS DAIRY FREE – Frozen Desserts, 2020. Disponível em: <https://sodeliciousdairyfree.com/dairy-free-foods/dairy-free-frozen-desserts/>. Acesso em: 02 de setembro de 2020.
TAKAY – Raw, Whole & Pure Ingredients Only, 2020. Disponível em: <https://www.takayblends.com/menu>. Acesso em: 02 de setembro de 2020.
TAKAY – Sustainability, 2020. Disponível em: <https://www.takayblends.com/about>. Acesso em: 02 de setembro de 2020.
TAKAY – Ice Cream Is Now A Superfood, 2020. Disponível em: <https://www.takayblends.com/>. Acesso em: 02 de setembro de 2020.