Até poucos anos atrás, o mercado de produtos plant-based ainda estava em estágio inicial no mercado brasileiro. Haviam poucos players de mercado e poucas opções de produtos, sendo a maioria deles à base de soja. Olhando o cenário agora, vemos um crescimento exponencial de produtos plant-based, veganos, vegetarianos e análogos aos de origem animal. Graças ao aumento da população “flexitariana”, aquela que já diminuiu bastante o consumo de produtos de origem animal, mas ainda os consome, a variedade de produtos vegetais melhorou consideravelmente, incluindo mais opções de sabores, maior diversidade de ingredientes, apelos funcionais, dentre outros.
Apesar da crescente variedade mencionada, as opções plant-based (à base vegetais), alternativas aos produtos lácteos, ainda não são tão difundidas no mercado. Em virtude disto, um dos produtos que os consumidores veganos mais sentem falta de consumir é o iogurte, sendo uma excelente oportunidade de desenvolvimento e inovação, já que esta categoria de produto demonstra uma demanda não atendida (PANOZZO, 2018).
A Future Market Insights (FMI) é a principal fornecedora de serviços de inteligência de mercado e consultoria de Londres. Eles realizaram uma pesquisa sobre o mercado de “iogurtes” plant-based, prevendo uma perspectiva positiva para o mercado global de desta categoria, projetando um crescimento a uma CAGR de 10% entre 2020 e 2030, ultrapassando US $ 5,0 bilhões em 2030. Olhando para a crescente popularidade do estilo de vida vegano, vegetariano e flexitariano, e para o aumento dos intolerantes à lactose, dos alérgicos à proteína do leite e do forte desejo dos consumidores em alinhar as escolhas alimentares com a sustentabilidade ambiental, não surpreende que os empresários estejam investindo e apostando alto nos “iogurtes” à base de plantas. À medida que os consumidores se inclinarem a favor de uma dieta saudável e plant-based, os lanches à base de plantas garantirão suas vendas (FMI, 2020).
A pesquisa da FMI também apontou o crescimento do interesse dos consumidores por sabores exóticos e diferentes, mostrando que o interesse pelos sabores convencionais está diminuindo mais rápido do que o esperado. As pessoas estão buscando experiências indulgentes mais agradáveis e estão abertas para provar sabores novos. Esse dinamismo nas escolhas gerou muitas inovações nos produtos plant-based, sendo que os fabricantes devem ser cada vez mais criativos para saciar o desejo dos consumidores (FMI, 2020).
Um grande exemplo de inovação neste mercado foi um lançamento, agora de 2020, da marca Lavva, nos Estados Unidos. A última novidade da marca, o Molten Lavva, um “iogurte” vegetal à base de castanha Pili (castanha com maior teor de lipídeos e menor teor de carboidratos, em comparação com as outras, originária das Filipinas (CULTURE TRIP, 2018)). A proposta da Lavva era lançar um “iogurte” com menos carboidratos e rico em gorduras saudáveis, mas diferente dos tradicionais do mercado (LOVELAVVA, 2020).
A marca apostou em sabores indulgentes como Chocolate, Chocolate com Framboesa, Expresso e Key Lime (lima, no Brasil). Além disso, o “iogurte” possui prebióticos vindos do extrato da raiz de chicória e mais de 50 bilhões de probióticos (LOVELAVVA, 2020).
Pensando na sustentabilidade, a marca escolheu a castanha Pili, pois contrário de outras castanheiras, elas não precisam de nada além de água da chuva para brotar e crescer, tornando-as uma colheita regenerativa e sustentável (FOODNAVIGATOR, 2020) (TRADEWINDSBICOL, 2011).
Para conferir o sabor doce aos produtos e manter o apelo de zero açúcares adicionados, eles utilizam eritritol, extrato de Fruta do Monge (Monk Fruit) e extrato de Mesquite (obtido da árvore Prosopis juliflora, no Brasil conhecida como Algaroba, o extrato em pó tem um sabor suave e doce, com notas de melaço, caramelo e chocolate, e é um ótimo complemento para o cacau e baunilha) (HEALTHYGOODS, 2014) (LÍDER, 2012) (DALLASNEWS, 2019).
O iogurte é um alimento milenar. Existe uma teoria que diz que sua descoberta ocorreu entre 10.000 e 5.000 a.C., quando os pastores começaram a ordenhar seus animais. Como não tinham local adequado para armazenar o leite, eles faziam sacos a partir do intestino dos animais e o guardavam dentro deles. Em virtude das enzimas naturais que existem nos intestinos, o leite coalhava e azedava. Desse modo, quando consumiram o leite fermentado, gostaram e continuaram produzindo. Além dessas alterações sensoriais, os pastores notaram que esse método de armazenamento prolongava sua vida útil. Se essa teoria é verdadeira ou não, o consumo de leite fermentado sobreviveu aos tempos modernos e se espalhou pelo mundo todo (DISCOVERY, 2017).
Para se fazer iogurte, em geral, o leite é aquecido a 82°C por 30 minutos para desnaturar as proteínas do soro de leite, o que permite que elas formem um gel mais estável. O iogurte é, então, pasteurizado antes de se adicionar as culturas probióticas. O processo de pasteurização mata todos os patógenos que podem estragar o leite, além de eliminar possíveis concorrentes das culturas ativas. Após a pasteurização do leite, o leite é resfriado a 42°C, temperatura para o crescimento ideal das culturas iniciadoras do iogurte. Por fim, as bactérias são adicionadas ao leite e incubadas até que um pH abaixo de 5 seja obtido. Resumidamente, este é o processo de fermentação, pelo qual a lactose do leite é convertida em ácido lático, resultando na diminuição do pH. Quando o pH cai abaixo de 5, as micelas de caseína, que são proteínas anfifílicas, perdem sua estrutura terciária devido à protonação de seus resíduos de aminoácidos. Como consequência, as proteínas desnaturadas se remontam, interagindo com outras proteínas de caseína, e essas interações intermoleculares resultam em uma rede de moléculas que fornece a textura semissólida de iogurte. Não existe uma equação química simples para a produção de iogurte, pois ocorrem várias reações. Diversos tipos de bactérias podem fermentar a lactose. As culturas de iogurte podem conter Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus, outras cepas de Lactobacillus, Streptococcus thermophilus e bifidobactérias (DISCOVERY, 2017).
Os “iogurtes” vegetais possuem processos de produção diversos. Por exemplo, um “iogurte” de amêndoas é produzido a partir da extração do “leite” de amêndoa, aquecendo-o a 37°C e, depois, adicionando a cultura inicial (starter culture) de bactérias de ácido láctico. O “iogurte” é, então, embalado e incubado por dez horas. O pH do “iogurte” de amêndoas fica em torno de 4,41 e 6,00, dependendo da amostra. O processamento de “iogurte” de coco também deve ocorrer a 37°C. Leva em torno de 8 horas para que a fermentação ocorra por completo, sendo que a cultura inicial de bactérias corresponde a 3% da composição total de “iogurte” de coco. Os valores de pH variam de 4,01 a 5,79, dependendo da amostra (JACOBOWITZ, 2019).
Já existem no mercado diversas alternativas ao “iogurte” feitas à base de plantas. Porém, a grande maioria dos fermentados vegetais são obtidos por meio de culturas que foram desenvolvidas para produtos lácteos. Para que essas bactérias lácteas cresçam o suficiente para fermentar os produtos vegetais e proporcionar um aroma agradável, é necessária a adição de açúcar. Além disso, os fabricantes também utilizam outros ingredientes para conseguir a consistência e o sabor desejados do iogurte, o que resulta em uma lista mais longa de ingredientes e aditivos. Com o aumento da demanda por produtos clean-label, ou seja, aqueles com uma lista menor de ingredientes e conhecida pela população em geral, cientistas de alimentos tentam criar uma alternativa com o menor número de aditivos possível. Pesquisadores do National Food Institute, da Dinamarca, trabalham com uma hipótese de que o uso de bactérias do reino vegetal seria mais eficiente para fermentar um produto vegetal, como uma bebida de soja, uma vez que essas bactérias são otimizadas para quebrar o açúcar presente na matéria vegetal. Após várias pesquisas, eles conseguiram isolar cepas bacterianas de vegetais que podem acidificar uma bebida de soja e criar uma textura que lembra o iogurte tradicional, ou seja, eles isolaram bactérias lácticas de plantas. Além disso, eles conseguiram incorporar o Brewer’s Spent Grain (BSG), um subproduto do processo de fermentação da cerveja, na bebida de soja, o que tornou o produto resultante mais sustentável e aumentou o seu teor de fibras. Dependendo de quanto BSG é usado na produção do “iogurte” vegetal, ele também pode dar ao produto final um aroma agradável, o que pode ajudar a mascarar os sabores indesejados da soja. Os estudos ainda continuam para trazer um produto mais comercial ao mercado, em colaboração com as empresas Carlsberg, Naturli e Novozymes, mas eles já conseguiram garantir um “iogurte” plant-based somente com três ingredientes: bebida de soja, BSG e culturas de bactérias obtidas de vegetais (DTU, 2020).
A variedade de iogurtes está aumentando, percebemos isto vendo que as prateleiras dos mercados estão mais cheias do que nunca. Nos últimos dois anos, vimos o surgimento de várias marcas interessantes, as quais estão prontas para diversificar e fortalecer ainda mais o mercado. Nos EUA, a Yooga lançou, em 2019, uma linha de “iogurtes” plant-based em uma variedade de sabores inovadores, incluindo chocolate com sal marinho e Golden Milk com açafrão (FMI, 2020). A empresa criou uma formulação única de “iogurte” que mistura creme de coco e sementes de chia finamente moídas (YOOGA, 2020) (FOODNAVIGATOR, 2019).
Um insight interessante para os próximos desenvolvimentos seria o enriquecimento dos “iogurtes”, de base vegetal, com proteínas vegetais. Produtos fermentados com teor proteico mais elevado são desejados pelos consumidores, visto que algumas pesquisas sensoriais apontaram uma resposta mais positiva para produtos enriquecidos com proteínas. Os consumidores de iogurte esperam uma textura suave e boa sensação de preenchimento na boca, mouthfeel (percepção da textura de um alimento na boca), o que está diretamente relacionado com a quantidade de proteínas do produto. Pessoas que já consomem alimentos proteicos relatam, também, um aumento na saciedade. Portanto, os fermentados vegetais adicionados de proteínas podem resultar no aumento da saciedade e diminuição da fome mais tarde, ou seja, a pessoa se sente saciada por mais tempo. Já que produtos lácteos costumam ter o teor proteico maior que os produtos vegetais, temos percebido um grande aumento do enriquecimento de “iogurtes” vegetais com proteínas vegetais, devido a todos os benefícios positivos que um produto proteico pode trazer, como já mencionado (JACOBOWITZ, 2019).
Um dos exemplos de “iogurtes” vegetais com alto teor proteico é o lançamento da marca Siggi’s Plant-Based Yogurt, em 2019. Enquanto os outros players tradicionais costumam ter cerca de 15 gramas de açúcar, com apenas 3 gramas de proteínas por porção, o Siggi possui 8 gramas de açúcar e 10 gramas de proteínas (GODAIRYFREE, 2019).
Outro insight importante no desenvolvimento de produtos veganos análogos aos lácteos é adição de cálcio, vitamina D2 e vitamina B12. As pessoas que consomem iogurte, veem este produto como uma fonte natural de cálcio, sendo que alguns ainda são enriquecidos com vitamina D e B12, as quais são essenciais para o bom funcionamento organismo. Porém, apesar dos vegetais serem boas fontes dessas vitaminas, alguns produtos vegetais, como os “iogurtes”, devem ser fortificados para atender o valor diário necessário desses micronutrientes.
Uma empresa que apostou nesse enriquecimento com vitaminas foi a So Delicious Dairy Free, que conta com uma linha de iogurtes à base de leite de coco orgânico, com diversos sabores, além do sabor natural (sem açúcar ou edulcorantes), enriquecidos com cálcio e vitaminas D2 e B12 (veganas). Um sabor que chamou a atenção foi o Pineapple Brulée, uma mistura de abacaxi caramelizado com a cremosidade e sabor suave do leite de coco (GODAIRYFREE, 2020) (SODELICIOUS, 2020).
Em conclusão, vemos excelentes oportunidades de desenvolvimento de produtos dentro deste setor crescente que é o de produtos veganos, plant-based e análogos aos lácteos. Com grandes exemplos de inovação apresentados, podemos ver que as empresas querem trazer sabores novos, experiências novas, ingredientes novos para as pessoas e, com isso, estão ganhando destaque no mercado. Portanto, vamos abrir nossas mentes, pensar fora da caixa e trazer estas novas sensações para os consumidores.
REFERÊNCIAS
CULTURE TRIP – Pili Nuts: Why This Delicious Philippine Superfood Can’t Crack the Health Food Market, 2018. <https://theculturetrip.com/asia/philippines/articles/pili-nuts-why-this-delicious-philippine-superfood-cant-crack-the-health-food-market/>. Acesso em: 06 de julho de 2020.
DISCOVERY MAGAZINE – The Science of Yogurt, 2017. Disponível em: <https://www.discovermagazine.com/the-sciences/the-science-of-yogurt>. Acesso em: 08 de julho de 2020.
DALLASNEWS – Are mesquite beans the next gluten-free superfood?, 2019. Disponível em: <https://www.dallasnews.com/food/cooking/2019/11/04/are-mesquite-beans-the-next-gluten-free-superfood/>. Acesso em: 08 de julho de 2020.
DTU – Vegan ‘yogurt’ made with lactic acid bacteria from plants, 2020. Disponível em: <https://www.dtu.dk/english/news/Nyhed?id=%7B3D415103-8E2F-4667-852A-4DBAD536928D%7D>. Acesso em: 08 de julho de 2020.
FMI – FUTURE MARKET INSIGHTS – Future is Green for Plant-based Yogurt Market, 2020. Disponível em: <https://www.futuremarketinsights.com/reports/plant-based-yogurt-market>. Acesso em: 29 de junho de 2020.
FOODNAVIGATOR – Lavva tests plant-based yogurts in Target, Kroger, gears up for launch of ‘decadent’ keto-friendly line, 2020. Disponível em: <https://www.foodnavigator-usa.com/Article/2020/02/17/Lavva-tests-plant-based-yogurts-in-Target-Kroger-gears-up-for-launch-of-decadent-keto-friendly-line>. Acesso em: 06 de julho de 2020.
FOODNAVIGATOR – Everything to play for in plant-based yogurt, says Yooga: ‘No one has really cracked the code yet’, 2019. Disponível em: <ttps://www.foodnavigator-usa.com/Article/2019/06/24/Everything-to-play-for-in-plant-based-yogurt-says-Yooga-No-one-has-really-cracked-the-code-yet>. Acesso em: 06 de julho de 2020.
GODAIRYFREE – Siggi’s Plant-Based Yogurt Alternative has More Protein than Sugar, 2019. Disponível em: <https://www.godairyfree.org/product-reviews/siggis-plant-based-yogurt>. Acesso em: 06 de julho de 2020.
GODAIRYFREE – So Delicious Coconut Milk Yogurt Still Dazzles in a Dozen Flavors, 2020. Disponível em: <https://www.godairyfree.org/product-reviews/so-delicious-dairy-free-coconut-yogurt>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
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JACOBOWITZ, Jennifer. Consumer Acceptance of Plant Protein Supplemented Coconut and Almond Yogurt, 2019. Disponível em: <https://ecommons.cornell.edu/bitstream/handle/1813/66641/Jacobowitz_Jennifer.pdf?sequence=2>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
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LOVELAVVA – Coming Soon: Molten Lavva, 2020. Disponível em: <https://lovvelavva.com/molten/>. Acesso em: 06 de julho de 2020.
PANOZZO, Roberta Lima. Avaliação da percepção sensorial e mercadológica sobre um produto vegano similar a iogurte. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso – Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/189095>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
SODELICIOUS – Pineapple Brulee, 2020. Disponível em: <https://sodeliciousdairyfree.com/dairy-free-foods/dairy-free-yogurt-alternatives/coconutmilk-yogurt/pineapple-brulee>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
TRADEWINDSBICOL – The Pili Nut of Bicol, Philippines: “In a nutshell, it’s perfect!”, 2011. Disponível em: <https://tradewindsbicol.wordpress.com/2012/05/10/pili-nut-is-launched-in-the-united-states-in-memphis-in-may/>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
YOOGA– Turmeric Golden Milk, 2020. Disponível em: <https://www.instagram.com/yoogasuperfood/>. Acesso em: 06 de julho de 2020.
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